segunda-feira, 27 de abril de 2009

Angola ---- 25 de Abril, ainda

No sábado comemoraram-se os 35 anos do 25 de Abril. É por demais comum dizer-se que os militares revoltosos libertaram Portugal das garras de uma ditadura de quase 50 anos. A liberdade foi restaurada e o MFA triunfante pode tentar levar a cabo os três D do seu programa essencial: Democratizar, Desenvolver e Descolonizar...
E a Descolonização chegou pelas mãos que carregaram armas contra os povos das colónias levantados contra o poder colonial português, naquilo que os movimentos de libertação angolanos denominação, nos inícios dos anos sessenta como a acção directa, ou seja a guerrilha.

O serão do dia 25 de Abril foi passado a ouvir Zeca Afonso. Emocionámo-nos com Grândola, vila morena, porque um dos ícones dessa Revolução. Muitos acreditámos (e teimosamente continuamos a querer acreditar) que em cada rosto víamos um amigo, que todos poderíamos vir a ser mais iguais e que a fraternidade se cumpriria num país sofrido e sofredor.

A páginas tantas, uma canção perdida nas nossas memórias tomava conta da sala. O ritmo africano (angolano, mais propriamente) era por demais evidente, na noite quente e abafada de Luanda.
Do ritmo musical passámos à procura da compreensão plena das palavras do Zeca. Falava então de um homem novo, de um novo país, do fim do colonialismo e do imperialismo...
Muito datado no tempo, aqui ficam as palavras do Zeca, relembradas na noite das comemorações do 35º aniversário do 25 de Abril, para muitos de nós, de todos os sonhos e utopias... e esta canção também foi uma delas:

I
Um homem novo
veio da mata
não é soldado de profissão
não é soldado de profissão
é guerrilheiro
na sua aldeia
a mãe o diz
de uma fazenda faz um país
de uma fazenda faz um país

Refrão

Colonialismo, não passará
Imperialismo, não passará
veio da mata
o homem novo do MPLA

II
A milha quente
vai despertando
darei ao mar
agora ou nunca, não há que errar
agora ou nunca, não há que errar
Foi em Fevereiro
no dia quatro sessenta e um
Angola existe, Povo há só um
Angola existe, Povo há só um

Refrão

III

A cor da pele
não é motivo para distinguir
Angola é nova, só há que unir
Angola é nova, só há que unir
Se novos povos
querem por trono no teu país
Dum guerrilheiro, faz um juiz
Dum guerrilheiro, faz um juiz

Refrão

IV

Olha o caminho da Polisário
do Zimbabwé
África toda, levanta-te
Àfrica toda, levanta-te
Se novos povos
querem por trono sobre o teu chão
por cada morto, nasce um irmão
por cada morto, nasce um irmão

Refrão


(nota: esta canção faz parte do último concerto ao vivo do Zeca no Coliseu de Lisboa)

Este novo país do que falava o Zeca, este homem novo que veio da mata têm de se reinventar, para que a democracia, a liberdade e a fraternidade não sejam palavras vãs.

sábado, 25 de abril de 2009

25 de Abril

Parece redundante, mas hoje só me apetece escrever:

25 de Abril, SEMPRE!...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Angola 5 (acho)

Continua a fazer muito calor.
O ar condicionado, onde estive metida na 3ª feira, fez-me não sei se alergia, se constipação... o que sei é que fungo, mas nada de especial, para além de estar picada pelos mosquitos, esperando que nenhum desses seres abjectos estivesse consporcado pelo virus do paludismo, pois é uma doença bué de chata... eu sei do que falo, pois já tive 10 por campo...

Há material de primeira água para a minha tese e, sobre isto, fico-me por aqui...
Uma coisa que me tem admirado muito, é a falta de cursos de História nas diversas Universidades Angolanas. O governo, nomeadamente a secretaria de estado do ensino superior, faz passar, em tempo de publicidade, indicações dos cursos ministrados nas várias universidades e, em nenhuma encontro a menção a uma licenciatura em História. Leio, sim, Ciências Políticas...
Mas a história desta nação tem de ser feita e com quem?
Deixo a questão no ar.... efectivamente pouca coisa tem sido produzida... mas era já tempo e tempo de reencontrámos as nossas histórias... acho piada falar-se muito da CPLP e não haver uma memória comum. Nada surge por acaso, ela é fruto de desenvolvimentos anteriores, de encontros e de muitos desencontros, de aproximações e de afastamentos, de lutas, de guerras, de negociações e de paz , mais ou menos conseguida, mais ou menos fantasiada. Será a História que nos toca a todos que poderá ajudar à compreensão dos dias de hoje e das relações que antigos colonizadores e ex-colonizadores actualmente tecem, não desligadas de um amor/ódio, de lembranças que magoam, que calam fundo e que fazem ainda sangue, porque os povos, como as pessoas, têm também memórias e são essas memórias que podem fazer com que os povos, as nações, como as pessoas, se consigam reencontrar consigo e com os outros, num mesmo plano, no plano de uma cidadania plena.
É isto que acontece?
Francamente acho que não e os tiques que opuseram povos e nações persistem, provocando nódoas que alastram no convívio do quotidiano.
Racismo primário surge de parte a parte, desconfianças são mais do que muitas...
Enquanto não conseguirmos, colectivamente, aceitar as nossas histórias e no muito que se tocam, sabendo que não são histórias heróicas, antes feitas por homens e mulheres que também erraram, porque viver o dia a dia não permite avaliações objectivas, antes exige a resolução do que é mais comezinho...
Nestas nossas histórias, que se transformam numa história comum, não há, para mim, heróis, santos, algozes e vítimas. Os homens e as mulheres que foram os actores deste drama tiveram um pouco de tudo... Contudo, o sistema colonial português e o regime ditatorial português, rumando contra os ventos da história, tornou-se inexoravelmente no grande responsável pelo que depois os povos tiveram de sofrer...
Sinceramente considero que é fundamental que todos, portugueses, angolanos, moçambicanos, guineenses, cabo-verdeanos e timorenses, nos reconciliemos com a História que nos é comum, não venerando-a estupida e acriticamente, mas compreendendo-a para, juntos se tal for possível, nos encontrarmos na Língua Portuguesa que não é monolítica, mas cheio dos matizes que a enriquece a a torna única.
Alguém me dizia, já aqui em Angola, que seria o cumprimento da pessoana profecia do 5º Império... prefiro antes rever-me no mesmo Pessoa e na minha pátria como a Língua Portuguesa, eu que, muitas vezes, não sei bem se tenho pátria e se quero como minha a pátria que aceitou o meu registo, quando ainda havia colónias, transvestidas em províncias ultramarinas para que a carta das nações unidas não pudesse ser cumprida por um governo que oprimia uma multiplicidade de gentes e de povos.
E hoje que é dia do livro, como é delicioso ler esta língua escrita por gente tão diferente e de forma tão diferentes, mas de uma maneira tão rica, criativa e inovadora...
Os meus maiores cumprimentos a todos aqueles que sem qualquer pudor tornam mais rica a pátria comum que é a Língua Portuguesa.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Angola 4

Neste diário inconsequente, que vou criando durante o tempo que estiver em Angola, faltam muitos dias e muitas páginas. Não que tenha perdido as páginas pois os dias, esses vivi-os, não sei se bem, se mal, se até à exaustão, se numa modorra dorminhoca... as páginas não perdidas foram simplesmente não escritas ... porque não me apeteceu, porque fazia muito calor a a minha capacidade de fazer alguma coisa estava reduzida ao mínimo ou, simplesmente, porque o google não abria e a net estava sempre a cair. Não, não era por falta de energia, que é intermitente e todos os dias tem de desaparecer, nem que seja por um bocadinho, para todos vermos como ela é importante... faltando a energia na rede, havia a do gerador mais ou menos barulhento e, na falta de combustível, a bateria do computador e o candeeiro a petróleo, para noite dentro ver as teclas das letras que se amontoam nestes textos desconexos.
Nada... tenho tido preguiça... preguiça de quase tudo... só me apetece ficar a modorrar, sem fazer nada, sem qualquer movimento, sem que o cérebro exprima algum pensamento ou alguma ideia mais elaborada... simplesmente parado.
Contudo, tenho lido alguma coisa.... o último romance do angolano Manuel Rui A Janela de Sónia , bem como um romance do José Rodrigues dos Santos, que cá encontrei, Codex 623, sobre as origens do Cristóvão Colombo. Reli Ondajki, esse menino fadado das letras angolanas. Será com Ondjaki que, voltando a Portugal e às minhas lides profissionais como professora, que começarei a falar às crianças de África e de Angola, a fim de dar cumprimento ao plano com que me candidatei à licença sabática.
Mais, aqui nunca poderemos planificar nada com uma margem mínima de segurança. Tinha tudo previsto e combinado para estar em Luanda esta segunda feira de manhã. Cerca das 9h, tudo se alterou. Para dar cumprimento ao previsto, tinha de ir, à pressa, arranjar um taxi-candongueiro... não arranjei, porque em abono da verdade, senti um medo incrível em enfrentar a estrada, conduzida por um desconhecido... Alguém faz ideia como cá se conduz? Só os que cá vivem. Contado é muito difícil... falta de confiança no outro? evidentemente. Toda a falta de confiança... e, depois como regressava? tenho de gaantir um mínimo de conforto, senão é tudo bué de difícil.
Então, escrevi vários emails e fiz allguns contactos que necessitava fazer.
De tarde, se não me der a inatividade total, von acabar de ler uma obra sobre Fidel e Che, que para mim é importante até do ponto de vista da minha investigação.
Se conseguir, retomar o estudo do nacionalismo branco em angola e da FUA, um auxiliar preciso no meu trabalho. Assim, como esta tese de doutoramento está muito bem feita, dedico-me, em exclusivo, ao nacionalismo africano, o que não é pouco.
Precisava de escrever outro tipo de texto... mas não consigo.
Reconheço a minha inteira incapacidade de fazer melhor.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Angola 3

Passaram-se 3 dias após o domingo de páscoa.
Está um calor de morrer... destilo por todos os poros. As picadelas dos mosquitos ardem... sinto-me completamente esbodegada...
África é dura... exige de nós tanto que a moleza instala-se...
Na madrugada de sábado para domingo, pelas 4 horas da manhã, "passeava-me" nas ruas de Luanda. Claro que não estava sozinha. Quase ninguém mas ruas, mas sons de festa um pouco por todo o lado... se tive medo? Nenhum... mas quem ia comigo - não revelo - riam-se e diziam que era um pouco arriscado... Um calor abafante... sem brisa alguma, sem um ventinho refrescante... só a quentura tórrida que na europa não temos ocasião de experimentar, nem naquelas tarde de Agosto em plena planície alentejana.

Não tenho nada de importante para dizer... se calhar tenho muito e não sei por onde começar, nem como começar... a modorra aperta...

Tenho lido muito, bué mesmo...
Tenho acompanhado em deferido das notícias da pátria e algumas vezes em directo as daqui.

Só sei que há crianças a morrer de malária e que esta doença continua a atacar sem que haja vacina que ponha termo a esta hecatombe...
Quando é que os grupos farmacêuticos, os laboratórios apostam em investigação credível que possibilite a descoberta da vacina para este mal endémico em África?

Eu sei que aqui está tudo por fazer em termos de educação e de saúde pública... é preciso um trabalho ciclópico ... mas " às crianças, senhor, porque lhes dais tanta dor, porque padecem assim!..."a falta da vacina enfraquece as pessoas. Ou será que, para o mundo, é bom que haja um continente doente, onde todos os males parecem acontecer!...

Na verdade hoje pareço muito desiludida... talvez esteja .... a vida é dura por aqui, este povo sofre ... talvez seja o calor que me deixa assim ... talvez seja a realidade que me cerca e a impossibilidade total de agir ... talvez tenha deixado de acreditar em utopias e tenha mergulhado na verdade do quotidiano ... talvez já nem consiga acredita no Yes We Can, mas sim, vivemos cada dia e cada dia temos de nos levantar para continuar vivendo...
Teimosamente gostaria que tudo fosse diferente e que toda a gente tivesse condições dignas de existência, o que, escrito no local onde estou, parece a máxima das utopias.

Fazer como? não sei... sou estrangeira neste país e não estou aqui em missão de beneficência, antes de estudiosa de uma realidade já passada ... mas sei ver ...

fico-me por aqui, nesta tarde quente, quente africana.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Angola 2

Hoje é o dia de quinta feira santa no calendário litúrgico do cristianismo.
A televisão está ligada e as reportagens de rua no canal 1 da TPA, para além do cumprimento do código de estrada que entrou em vigor no passado dia 1 do corrente e em tudo semelhante ao português, prendem-se com a celebração dos rituais da paixão e morte de Cristo, o tempo mais forte e emblemático das religiões cristãs, com o catolicismo a imprimir uma solenidade desconcertante.
Educada no seio da religião católica, tendo até sido aluna, durante vários anos, num colégio das irmãs doroteias, há muito que perdi (se é que alguma vez tive bem consubstanciada) a fé, esse dom, no dizer de alguns, não é dado a todos ou que nem todos têm a capacidade de vivenciar.
A minha fé, aquilo em que acredito, tem a ver com a capacidade dos seres humanos se regenerarem, de procurarem ser melhores e de contribuírem para que a vida do dia a dia seja menos desigual e com mais qualidade, se é que isso é possível e não a continuação de uma utopia. As minhas crenças, se possível, terão mais a ver com o Yes we can, ou o Yes I can, glosado até à exaustão e como tal uma palavra de ordem já desprovida da carga simbolicamente positiva que transportava quando pronunciada na campanha do Obama.
Porém, da exege católica retiro muitas vezes o conceito presente neste tempo forte da liturgia católica - a ressurreição. Não que eu acredite na ressurreição final e na vida que há-de vir, como se reza no Credo, mas na ressurreição de todos os dias, no levantar continuo e continuado, no caminho do calvário como uma prova de superação, na crucificação como um forma de aprendermos a ser melhores, mais fortes, mais íntegros (se tal é possível nesta sociedade amoral), mais humanos, no meio das nossas fraquezas e das quedas diárias, quando aquilo que realizamos fica muito aquém do projectado.
E a paixão de cristo, como paradigma do sofrimento, também nos ensina que a dor, as lágrimas, as dificuldades podem ajudarmos a crescer e a sermos melhores, para que os risos e os cânticos possam ser efectivamente sentido nesta festa que é a vida.
Talvez se agora estivesse na europa não escrevia o que estou a escrever.... mas o calor tórrido que me incomoda, os mosquitos que esta noite volteavam à volta da cama e me acordavam com os seus voos assassinos, o trânsito caótico de Luanda e arredores, enfim, todo este excesso, me levem a escrever um texto bem mais "religioso" do que pensaria fazer quando me sentei a acrescentar uma página a este meu inconsequente blog.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

De Angola

Angola 1



Estou em Luanda desde domingo ao entardecer... anoitecia sobre a baía quando o avião aterrou no aeroporto 4 de Fevereiro.

Falta a energia e o gerador entra em funções

Está um calor tórrido, tão tórrido que custa a aguentar.

A bateria do computador está com a carga esgotada e, às 15h30m é cedo ainda para ligar o gerador que faz barulho capaz de acordar um defunto.

Voltou a energia, como se diz por cá.
A ventoinha está ligada, pois não temos ar condicionado e vamos mudar de casa até ao fim do mês.
Por um lado ainda bem que estou cá para ajudar às mudanças...

Fiz um contacto para investigação que resultou em cheio. Aqui os contactos são fáceis... espero dar avanço no meu trabalho e trazer dados novos a partir de fontes que não estão estudadas.
Para lá disto, há a hipótese de uma conversa com familiares de ..... não digo e ter acesso a um acervo....

A investigação é minha... está no campo do sigilo... mais tarde divulgo...

A televisão está ligada (aqui só temos os dois canais de livre acesso, por opção) e num programa da tarde como alguns das televisões portuguesas, está a discutir-se a saúde reprodutiva da mulher.

Ah! estou a ler o último livro de Manuel Rui (Monteiro), a Janela de Sónia, começo de leitura difícil , xé!... mas vale a pena... é uma metáfora sobre o fim da guerra, da civil...

O o calor continua, dia e noite, noite e dia... mas é assim, África, uma África exuberante, obsessiva, de terra vermelha cor de sangue, de todo o sangue derramado por tantas gerações de pessoas... terra de verdes, do alaranjado do por do sol e do azul metal das águas do oceano deste lado de cá.
Lá, no oceano que banha a terra onde nasci e que não conheço, as águas são verdes, dizem as fotos, dizem as pessoas que lá espraiaram os olhos e experimentaram a calidez dessas águas do Índico...

E quando chegamos e abrimos as torneiras, a água jorra tão morna que pensamos em esquentadores escondidos... mas é o sol, o sol forte que aquece tudo e tudo deixa quase exangue...