quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Bacantes


Ainda te lembras…
Éramos duas musas
Naquela sala antiga de sisudos rodapés de madeira escura até meio de uma parede completada por um damasco cardinalício
Havia um piano
Um piano de cauda
E também parece-me um violino
Trabalhado por um rapaz tristemente tímido

Tocava-se Bach Brhams ou Beethoven
Não sei bem
Sei que os sons antigos
Ecoavam naquela sala imensa e séria

Em cima do piano
Uma garrafa de cristal estranhamente desenhada
(eram sátiros e musas em cabriolas inenarráveis)
Permitia adivinhar a cor rubi de um vinho envelhecido
(seria vintage, reserva especial … que interessa agora)

A música definitivamente antiga
Continuava a soar naquelas paredes surdas
E o vinho em cima do piano convidava à volúpia

Lembras-te
Quando num ápice não calculado
Aliviámos mais o decote que generosamente nos moldava o busto
E
Deixámos escorrer por entre os seios fermentes
Gota a gota
Pinga a pinga
Lágrimas de rubi
Antes transvazadas para copos de pé alto

A música acelerou
Como que tomada por um frenesim incompreensível
Batendo raivosamente nas paredes daquela sala séria
Que agora se abriam como corpo de mulher
Ao enlace quente de amante

Então
Peguei muito livro muito manuseado
E chorei sobre o poema que de mansinho
Escorria dos meus lábios pálidos
Abraçaste-me
E a vida ficou suspensa
Com a música calando-se naquela sala antiga de paredes sisudas
Numa tarde quente
De inverno tardio.

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