quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Solidão … talvez


A solidão toma conta das coisas
Envolve-as num manto diáfano
São como manhãs de nevoeiro cerrado
Quando não se vislumbram dois passos do passeado
A solidão é também assim
Envolve tudo e a vida fica mais longínqua
Como as tardes quentes de verão em que
Crianças ainda subíamos às macieiras e mesmo
Com os joelhos esfolados e o sangue a pingar perna abaixo até á sola das sandálias descascada
Trincávamos maçãs vermelhas cheias de pó e prenhes do calor do sol
Bem nos diziam que ficávamos doentes
Mas o riso era mais forte do que o medo.

Essas tardes estão tão longe
Como os finais da manhã na praia ventosa
Quando depois de um violento banho de mar
Com as ondas chicoteando as pernas adolescentes, as coxas que se torneavam
As ancas que começavam a sentir o prazer do rebolado
E o peito que despontava direito num fato de banho demasiadamente infantil
Nessas manhãs, o pão com manteiga a que a areia soprada punha um travo especial
Ou a bola de berlim escorrendo um creme mais parecido com o sémen que desconhecíamos
Ou então ainda
As batatas fritas em azeite requentadamente excitante
Deixavam-nos no zénite do prazer
Acreditando que a vida tinha o odor dos dias claros

Mas a solidão
Veste tudo com um manto transparente das coisas esquecidas que
Ao alcance de uma mão
Não podem ser agarradas uma segunda vez.
O nevoeiro
Esse pinta-nos os olhos de cores difusas
E a maçã trincada no ramo mais agreste da macieira carcomida
Baralha-se com o creme escorrendo da bola de berlim
E o sangue pingando dum joelho esfolado
Tinge de vermelho a onda gigante que chicoteava um corpo adolescente
Palpitando de mulher sem ainda o saber

Os dias felizes dum tempo inconsciente
Transformam-se em lembranças solitárias duma idade de ouro
Nunca consentida
Porque nessa época de sonho e riso
Por mais lágrimas choradas e joelhos feridos
Não se imaginava que num sofá estafado e seco
A solidão levasse ao zapping contínuo de programas não vistos
Ou ao tocar contínuo de um teclado de computador
Não para reencontrar esses primeiros dias
Os dias da descoberta da inquietação e da calma
Mas para abafar a saudade dum tempo
A que não se quer voltar

E os fiapos do nevoeiro
Envolvendo as coisas, os objectos, os seres
Amaciam a solidão solitariamente vivida
Pondo um sorriso antigo em lábios que aprenderam o não o sim o talvez
Mas também o sempre e o nunca
Pondo um sorriso antigo nuns lábios que beijando mordem
E mordendo beijam
No desespero de dias
Que se perderam e não voltam
Porque não sabem nem querem aprender
O caminho do regresso.

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