sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

rosa tatuada

Tinha uma rosa tatuada
Na virilha
Num sítio íntimo do beijo
Com íntima era a luta entre corpos

Vestia de preto
Num registo antigo
Mitenes rendados
Blusas de folhos subtilmente transparentes
E enfeitava-se de pérolas

As mãos esguias
Seguravam a boquilha eternamente apagada
E afagavam uma caneta de aparo e tinta permanente
Que riscava a sépia
Num caderno de capas dum couro manuseado

Sentava-se numa mesa isolada
No fundo do café
A que um espelho de cristal conferia a amplidão
Que não possuía
Encostava o ombro seminu
Ao vidro que dava para a rua
Parecendo um peixe estranho
Num aquário bisbilhoteiro

Esquisitamente
Bebia cálices de absinto azuladamente definido
E deixava que um olhar quente
Porque quente era a cor dos olhos grandes
Se perdesse na multidão que apressadamente
Calcava as pedras gastas do passeio

E tinha a rosa tatuada na virilha
Como também um escorpião na omoplata
Bicho fero e matador
Como matadoras eram as gargalhadas que soltava
Ao fim da noite
Quando as camas arrefecem
E os lençóis enrolados e sujos
Repousam de combates sempre desiguais.

Um solitário brinco
Pendia-lhe da orelha esquerda
Que afagava num gesto perdido
Sempre que uma música divinamente antiga
Interrompia pensamentos distantes
Contaminando o corpo parado
Como o raio que se descarrega
Depois dos beijos terem exaustivamente consumido
Os corpos ainda pálidos
À luz da manhã

E a rosa tatuada
Empalidecia ao mesmo tempo que uma gota de seiva vermelha
Tocava o lençol branco
Quando o dia não despertado
Deixava vazia a cadeira encostada
Ao vidro do café de sempre

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