quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Bacantes I

Não é da chuva que cai incessantemente há mais de uma semana
Que me obriga a ficar
Quieta no sofá decrépito
Onde o corpo cansado já fez cova

Não
Precisamos de cantar a vida
Beber até ao fim a taça de vinho antigo
Que repousava em pipas de carvalho francês
No remanso da adega fria

Precisávamos de cantar a vida
E deitadas em pianos de cauda
Com vestidos de lamé fora de moda
Beber da taça inebriante
Enquanto a música debita acordes
Que já não ouvimos
E um último cigarro estremece na boquilha longa

Como longa é esta espera
Da consumação dos dias
Escritos à medida dum tempo que não compreendemos
Mas é nosso
Irremediavelmente nosso
Como nosso é este corpo que carregamos
E que já sem ser primaveril
Palpita e se abre a experiências novas
Que novas podem ser as mãos que afagam
Que magoam
Que o percorrem docemente
Ou num frenesim
Como se essa fosse a última vez
Que os dedos se enlaçavam.

Precisamos pois de cantar a vida
E do vinho fazer sangue seiva sémen
Percorrer as escalas todas de uma melodia esquecida
Sinfonia ou requiem pouco importa
Mas percorrer as margens do tempo que nos falta
Num riso feliz de criança traquina

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